O homem e a máquina se uniram para gerar a inédita imagem de um fenômeno que intriga e impressiona.
Há anos o planeta Terra é um grande telescópio e a maior parte de nós, leigos no conhecimento sobre os mistérios do universo, não sabíamos. Oito radiotelescópios superpotentes espalhados pelo globo se voltaram para o centro da galáxia M87 – distante cinco quinquilhões de quilômetros daqui – para tentar enxergar algo que, na prática, não pode ser visto: um buraco negro. E conseguiram.
A impossibilidade de ver essas estruturas vem do fato de elas serem formadas por uma massa tão grande – 6,5 bilhões de vezes maior que o Sol, neste caso –, concentrada em um espaço relativamente tão pequeno, que nada passa incólume por elas. Nem mesmo a luz consegue escapar. Daí terem sido batizados de buracos negros, esses “ralos” galácticos. O que pôde ser “fotografado” foi o halo de gases superaquecidos girando em torno do buraco, delimitando o chamado “horizonte de eventos”. Dali para dentro, tudo é escuridão.
Os dados captados para formar esta que já é uma das imagens mais importantes da ciência totalizaram 5 petabytes, espaço suficiente para armazenar uma playlist de músicas que tivesse começado a tocar junto da construção das pirâmides de Gizé e ainda durasse 5 mil anos a partir de hoje.
Mas apesar de todo esse volume de informações geradas por uma técnica chamada de interferometria, várias lacunas tinham que ser preenchidas, pois as informações coletadas por cada um dos telescópios precisavam ser combinadas. Além disso, era preciso remover interferências no sinal, causadas por exemplo pela atmosfera da Terra. Aí entrou no jogo a inteligência artificial.
A norte-americana Katie Bouman, hoje com apenas 29 anos, liderou a elaboração dos algoritmos que permitiram gerar a imagem divulgada no último dia 10 de abril. O algoritmo construído filtrava o infindável número de imagens registradas pelos telescópios, separando os resultados que fossem não apenas fisicamente plausíveis, mas também simples de serem explicados. Imagens com muitos detalhes ou que exigiam cálculos complicados para serem entendidas foram descartadas. A seleção tornou o quebra-cabeças menos árduo. O resultado não é perfeito. A imagem um pouco borrada é resultado do próprio algoritmo. Aplicado pelas quatro equipes engajadas no projeto, cada imagem veio com diferenças mínimas, mas grandes o suficiente para reduzir a nitidez. E os responsáveis decidiram não escolher uma, pois não havia parâmetros para identificar qual delas seria a “mais exata”. Por isso o borrado, mas ainda assim, uma grande conquista.
Formada em engenharia elétrica e ciência da computação pelo Massachussets Institute of Technology (MIT), Katie Bouman se dedicou por três anos a este projeto – junto de outros 200 cientistas de 40 nacionalidades. Os modelos criados e os dados compilados foram disponibilizados publicamente para uso de outros pesquisadores.
O feito aconteceu 100 anos depois de Albert Einstein provar sua Teoria da Relatividade Geral, atestando que ela se aplica a buracos negros de qualquer tamanho, sejam grandes ou pequenos.
O próximo desafio é fotografar outro buraco negro, este bem mais perto que o primeiro, por se encontrar no meio da Via Láctea. A ideia é integrar outros telescópios ao conjunto e realizar aprimoramentos na resolução e nitidez da imagem, observando frequências mais altas.
As técnicas criadas poderão também ser utilizadas em outros ramos, pois a astronomia não é o único campo a enfrentar problemas na transformação de dados em imagens. Na área médica, por exemplo, a ressonância magnética utiliza técnica similar para criar imagens do nosso corpo. E os esperados carros autônomos dependem de algoritmos similares para diferenciar buracos de pessoas.