Como o desenvolvimento da chamada Gig Economy está mudando as relações de trabalho.
Ainda nos anos 1930 o economista britânico John Maynard Keynes alertava para a possibilidade de que o acelerado avanço tecnológico fosse responsável pelo estabelecimento de mecanismos que economizassem trabalho, algo positivo, mas em velocidade muito maior que a descoberta de novos usos para a força e habilidade humana substituída pela automação, o que poderia gerar desemprego e crise.
Motivados por esse insight e pelos efeitos daquela que é chamada de Quarta Revolução Industrial, Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, da Universidade de Oxford, publicaram em 2013 um profético trabalho, no qual analisaram a susceptibilidade de 700 ocupações – tomando por base o mercado de trabalho norte-americano – à computadorização. O resultado é impactante: 47% delas estaria, em maior ou menor medida, em risco.
É difícil dizer se essa nova fase – caracterizada pelas novas Tecnologias de Informação e Comunicação, a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, a Robótica e tantos outros avanços – será responsável por criar empregos em quantidade e qualidade superior àqueles que fará desaparecer. Percebemos com clareza que vivemos um ponto de inflexão no paradigma da indústria, do comércio e da prestação de serviços. Prever onde chegaremos é um desafio mais complexo.
Seja mais ou menos benéfica, a influência das tecnologias emergentes na configuração das relações de trabalho é um dado inegável e cada vez mais preponderante. Exemplo disso é o surgimento da chamada “Gig Economy”, que se baseia na oferta de serviços por intermédio de plataformas digitais, modalidade da qual o Uber é o exemplo mais conhecido no Brasil.
O termo “gig” foi usado nesse sentido pela primeira vez em 1952, em uma peça de Jack Kerouac que retrata o trabalho temporário na ferrovia Southern Pacific. A palavra que no idioma inglês também pode significar show ou concerto, assumiu o sentido de um trabalho pontual, remunerado a partir da demanda e desempenhado por alguém capaz e disponível. Em outras palavras, o famoso “bico” ou “freela”.
Plataformas de carona, entrega de comida, serviços de cuidado de animais domésticos e tantas outras iniciativas surgiram aos montes nos últimos anos, movimentam milhões de trabalhadores e trilhões de dólares. A edição deste ano do relatório da Staffing Industry Analysts (SIA) estimou em 3,7 trilhões o valor movimentado pela Gig Economy ao redor do globo em 2017.
E mais: segundo o JPMorgan Chase Institute, o número de “gig workers” cresceu dez vezes entre 2012 e 2016 nos Estados Unidos. Por sua vez, o Intuit Research prevê que 40% dos postos de trabalho no país serão preenchidos na lógica da Gig Economy até 2020. E o que se vê na América do Norte reflete uma tendência mundial.
As empresas que adentram esse ramo da economia são as responsáveis por criar e administrar as plataformas que conectam os consumidores aos fornecedores. De posse dos algoritmos que desenvolvem, essas corporações passam a atuar como intermediários entre quem precisa de algo e quem pode oferecer a solução. Para elas, parece haver apenas vantagens: podem selecionar profissionais qualificados e com disponibilidade para necessidades específicas, sem o ônus de manter constantemente uma equipe com essas características. Indivíduos estes que podem estar em qualquer lugar do mundo, bastando que tenham uma conexão de internet. Além disso, muitas vezes os contratantes economizam com espaço físico e treinamento, entre outras conveniências.
Para os gig workers, há mais pontos a ponderar. Os trabalhos informais têm sido responsáveis, no Brasil, por prover renda a uma considerável parcela da população com dificuldades de colocação em um mercado que alcançou 11,7% de desemprego ao final de outubro, segundo o IBGE. Cadastrar-se em alguma dessas plataformas é simples, não envolvendo um processo seletivo ou grande burocracia, e pode ser a solução mais acessível a quem precisa ganhar dinheiro. Sem dúvida é uma opção valiosa em tempos de escassez de postos oficiais de trabalho.
Além do mais, essa modalidade parece a mais adequada para a geração dos milennials, com forte tendência a mudar de atividade de tempos em tempos. Idealmente, este modelo dá ao trabalhador a opção de trabalhar com aquilo que gosta e sabe fazer.
Mas há também o risco da crescente precarização das relações entre empregador e empregado. Tendo em vista que a relação de trabalho estabelecida na maioria das vezes não gera vínculo empregatício, o trabalhador fica desamparado em algumas questões, tais como não obter o volume necessário ou esperado de trabalho e remuneração, o respaldo em caso de doença, o pagamento de férias, o recolhimento de fundo de garantia e outros encargos, etc. A questão de privacidade também é delicada: por estarem vinculados a plataformas digitais, os colaboradores fornecem dados valiosos às empresas que os contratam, com o potencial de serem utilizados de forma abusiva.
Aos consumidores, o desenvolvimento da Gig Economy tem sido predominantemente vantajoso. A solução para necessidades do dia a dia, da mais simples à mais especializada, vem sendo facilitada pela tecnologia. As cenas dos próximos capítulos nos dirão se haverá equilíbrio entre as expectativas dos envolvidos nessa relação – os consumidores, os fornecedores e as plataformas que promovem o “match” entre eles. Tanto melhor ela será se a tecnologia servir para prover a todos a satisfação nos vários aspectos envolvidos