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Inteligência artificial ameaça criar geração de inúteis

08/11/2019 Posted by Data Science, Pessoas, Tecnologia, Tendências 1 thought on “Inteligência artificial ameaça criar geração de inúteis”

Em palestras pelo Brasil, autor de Sapiens defende acordo global contra uso lesivo da tecnologia.

O  professor e escritor israelense Yuval Harari tornou-se conhecido no mundo inteiro com o sucesso do livro “Sapiens: uma breve história da humanidade”, traduzido em mais de 40 idiomas e com milhões de cópias vendidas. Com outros dois best sellers lançados desde então, o historiador ocupou notícias e conteúdos online nos últimos dias em função de sua primeira visita ao Brasil, onde participa de alguns eventos. 

Harari resume em três vertentes os problemas que a humanidade vai enfrentar no século 21: as mudanças climáticas, os avanços da biotecnologia/bioengenharia e a ascensão da inteligência artificial. O desenvolvimento das tecnologias e seu impacto na sociedade contemporânea é assunto central e recorrente tanto em seus escritos quanto nas conferências que têm proferido. 

Uma das preocupações que ele destaca é um assunto no qual já tocamos aqui: o fato de que a tecnologia provoca mudanças constantes e significativas no mercado de trabalho e possivelmente criará uma massa de pessoas sem utilidade, do ponto de vista econômico e financeiro. “Se a maior luta do século 20 foi contra a exploração, a maior luta do século 21 será contra a irrelevância. Por isso os governos têm que proteger as pessoas”, afirmou em uma palestra no encerramento da 5ª Semana de Inovação, realIzada pela Escola de Administração Pública (Enap), em Brasília. Ele completa, em outro tema abordado aqui pelo blog: 

“O risco é que a revolução da inteligência artificial resulte em algo como a revolução industrial do século XIX: desigualdade extrema entre alguns países que dominam a economia global e outros que colapsam completamente, porque seu principal ativo de mão de obra manual barata se torna irrelevante”

O valor dos dados e sua importância estratégica é outra questão chave para o escritor. A combinação de avanços no domínio da biologia humana com o poder tecnológico digital pode resultar num “hackeamento” dos indivíduos. “É possível criar algoritmos que nos conhecem melhor que nós, que podem nos hackear e manipular nossos sentimentos e nossos desejos. E eles não precisam ser perfeitos, apenas nos conhecer melhor. E isso não é difícil porque muitos de nós não se conhecem muito bem”. 

Em entrevista ao El País em 2018, traçou um interessante paralelo entre algumas forças capazes de controlar as pessoas ao longo do século 20, tais como os partidos fascistas dos anos 1930, a KGB e os grandes conglomerados atuais. As organizações no século passado conseguiam estabelecer altos níveis de controle, mas não tinham tecnologia para seguir e manipular cada indivíduo pessoalmente. Hoje isso já é possível (e acontece). “Já estamos vendo como a propaganda é desenhada de forma individual, porque há informação suficiente sobre cada um de nós. Se você quer criar muita tensão dentro de um país em relação à imigração, coloque uns tantos hackers e trolls para difundir notícias falsas personalizadas. Para a pessoa partidária de endurecer as políticas de imigração você manda uma notícia sobre refugiados que estupram mulheres. E ela aceita porque tem tendência a acreditar nessas coisas. Para a vizinha dela, que acha que os grupos anti-imigrantes são fascistas, envia-se uma história sobre brancos espancando refugiados, e ela se inclinará a acreditar. Assim, quando se encontrarem na porta de casa, estarão tão irritados que não vão conseguir estabelecer uma conversa tranquila. Isso aconteceu nas eleições dos Estados Unidos de 2016 e na campanha do Brexit.”

A aposta do escritor para a condução desses grandes desafios da humanidade está no diálogo e na cooperação. Não há, segundo ele, oposição entre as ideias de nacionalismo e globalização. Os estados podem e devem garantir sua soberania e liberdade, mas devem se unir para evitar que as grandes corporações se apoderem e façam mau uso dos dados, o bem mais valioso do século 21. “Precisamos de um acordo global. E isso é possível. Não construindo muros, como está na moda, mas construindo confiança. No entanto, estamos na direção oposta neste momento.”

Investigando o grande banco de dados chamado DNA

27/11/2018 Posted by Data Science, Tecnologia 0 thoughts on “Investigando o grande banco de dados chamado DNA”

Como os avanços da ciência colocaram lado a lado a biotecnologia e as tecnologias da informação.

As últimas décadas de avanço científico e tecnológico proporcionaram expandir nosso poder de influência a níveis nunca experimentados. A história da civilização mostrou progressivo aprendizado e desenvolvimento de nossas habilidades em fazer uso dos recursos disponíveis e transformar o mundo que nos cerca, mas pouco podíamos em matéria de controle sobre nós mesmos. O que nos traz a um patamar inédito são as descobertas, sobretudo dos últimos 30 anos, que nos permitiram conhecer com riqueza de detalhes a constituição de nossos corpos e, a partir disso, interferir nela.

Nos anos 1990 teve início um projeto de cooperação global para mapear o sequenciamento genético dos seres humanos. Em 2003 já conhecíamos, com alto nível de precisão, as mais de 3 bilhões de “letras” do nosso “alfabeto genômico”. Ao esforço de geneticistas e outros estudiosos das ciências biológicas somou-se a expertise de cientistas da informação, auxiliares na tarefa de organizar e armazenar essas descobertas que, a rigor, são sequências de dados.

Talvez como nunca antes, a biotecnologia e as tecnologias da informação puderam andar simbioticamente juntas. Daí em diante as “revoluções gêmeas” de ambas as áreas, como caracteriza o autor israelense Yuval Harari em “21 lições para o século 21”, passariam a nos permitir “reestruturar não apenas economias e sociedades mas também nossos corpos e mentes”.

Essa parceria já nos proporciona, por exemplo, lidar com a ameaça que alguns vírus representam. Diagnosticar um portador a partir dos sintomas que apresenta pode ser um processo demorado, dadas as várias manifestações possíveis e a enorme lista de vírus já conhecidos. Some-se a isso o fato de que muitos deles, potencialmente mortais, tais como o HIV e o Ebola, causam sérios danos aos seres humanos mas não produzem nenhum sintoma em seus hospedeiros naturais. Aí entra o sequenciamento de DNA, hoje muito mais acessível, e a capacidade já desenvolvida de processamento e análise de dados.

O recente anúncio da gestação dos primeiros bebês submetidos a edição genética de que se tem notícia é um exemplo de onde pudemos chegar. O cientista chinês He Jiankui divulgou informações preliminares da iniciativa que buscou conferir a um embrião a resistência a uma futura contaminação pelo vírus da AIDS por meio de alteração genética. É verdade que o experimento ainda não foi validado pela comunidade científica internacional, mas indica que estamos muito próximos de, antes mesmo do nascimento, interferir em algumas características dos seres humanos. Há dilemas éticos e muitas incertezas envolvidas, mas sem dúvidas o que vemos é um avanço sem precedentes.

Outras aplicações são menos controversas. Com base nos petabytes (ou milhões de gigabytes) de sequências de DNA disponíveis em acervos públicos, cientistas podem identificar no código genético de um hospedeiro pequenos fragmentos do DNA de um vírus e, assim, constatar sua presença. É como encontrar duas sequências numéricas iguais em duas colunas de uma planilha no Excel.

“Humanos sempre foram muito melhores em inventar ferramentas do que em usá?las sabiamente”, afirma Yuval Harari em seu último livro. As revoluções na biotecnologia e nas tecnologias de informação seguirão, ao que tudo indica, e o potencial transformador delas é enorme. Vão restar os dilemas morais e éticos, bem como a responsabilidade pelas consequências das transformações postas em prática – coisas que continuarão atribuídas aos seres humanos, e não às máquinas ou à tecnologia.