Não se espante se achar inútil o que faz. O mundo está cheio de bullshit jobs.
As incontáveis funcionalidades e facilidades que o desenvolvimento tecnológico oferecem à humanidade são de impressionar. Dispositivos e sistemas transformaram atividades outrora trabalhosas ou demoradas em coisa de um clique, um segundo. Inúmeras tarefas no cultivo de alimentos, na indústria e mesmo em serviços domésticos já foram automatizadas.
Com tamanha diminuição da dependência de esforço humano para viabilizar várias de nossas necessidades mais básicas, era de se esperar que já pudéssemos gastar menos tempo com trabalho ou coisas que não sabemos ou desejamos fazer, não é mesmo? Pois não é o que acontece. Nunca trabalhou-se tanto e o fantasma do desemprego continua a tirar o sono de muita gente.
Isso porque, segundo a reflexão do antropólogo norte-americano David Graeber, o mundo está cheio de bullshit jobs, trabalhos vistos por quem os executa como socialmente inúteis ou até mesmo nocivos. O livro no qual Graeber desenvolve o assunto – “Bullshit jobs – A Theory” – ainda não foi vertido para o português. A tradução do termo central é espinhosa, pois já no início da obra o autor fala também em “shit jobs”, outra categoria de atividades, não necessariamente coincidente. A ideia, contudo, não é difícil de compreender. A divisão dos bullshit jobs em categorias é bem elucidativa:
- Flunkies: cargos que existem tão somente para conferir importância aos seus superiores, uma espécie de subordinados desnecessários. Quanto mais pessoas sob sua batuta tem um gerente, maior seu prestígio. O mesmo vale para os membros da comitiva de uma autoridade.
- Goons: trabalhos que envolvem certa forma de “violência”, seja literal, como o caso das Forças Armadas – inúteis, na opinião do autor, porque uma nação só tem exército porque outras também têm – ou simbólica, a exemplo dos relações públicas, lobistas, advogados corporativos e operadores de telemarketing.
- Duct tapers: pessoas que resolvem problemas que sequer deveriam existir, mas existem e prejudicam outras atividades. A indústria da informática está repleta deles.
- Box tickers: servem para as organizações dizerem que fazem algo que, na verdade, não fazem. Entre eles estão os marcadores de listas e checklists.
- Taskmasters: podem ser responsáveis por determinar tarefas a colegas que as desempenhariam mesmo sem alguém para demandá-las (os superiores desnecessários) ou os que inventam atividades completamente inúteis ou sem necessidade para outros fazerem.
No artigo que publicou em 2013 apresentando essa ideia, o autor já afastava as possíveis acusações de não ter legitimidade para dizer quais trabalhos são realmente necessários, dizendo não ser esse seu intento. A ideia era tratar de um volume grande – e talvez crescente – de trabalhadores que se viam presos em bullshit jobs.
Após a viralização de seu texto, Graeber reuniu contribuições anônimas em seu Twitter que corroboravam sua tese. Pesquisas no Reino Unido e na Holanda, motivadas pela curiosidade despertada pelo tema, foram no mesmo sentido: respectivamente, 37% e 40% das pessoas se encontravam em funções como essas.
Para o antropólogo, um regime de trabalho tão abundante de funções assim, a despeito de todos os avanços tecnológicos já feitos, parece ter sido calculado para a manutenção do poder do capital financeiro tal como está. Parece sair mais barato manter tantos postos desnecessários de trabalho – um contrassenso para a lógica da capitalista, que privilegia a eficiência – do que deixar os trabalhadores com mais tempo e mentes livres. Este sistema, finaliza o autor, “é a única explicação de por que, apesar de nossas capacidades tecnológicas, não estamos todos trabalhando entre 3 e 4 horas por dia.”