Como as relações entre os indivíduos tornaram-se insumo e produto do capitalismo contemporâneo.
Até o final do século passado, empresas apostavam em produtos feitos em massa e destinados a agradar o grande público. O avanço das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) ampliou as possibilidades de armazenamento de dados e permitiu a venda online, tanto de líderes de vendas como de produtos muito segmentados. Todos passaram a dividir espaço igualmente, agora em mostruários virtuais.
É disso que trata a célebre Teoria da Cauda Longa, do britânico Chris Anderson: a ampla disponibilidade de espaço de armazenamento praticamente sem custo permite a oferta quase infinita de itens para consumo. A produção massiva dá lugar à personalização em massa. Aos grandes distribuidores, tanto é lucrativo vender best sellers (em vermelho, no gráfico a seguir) quanto a vasta gama de produtos direcionados a públicos mais específicos (em laranja).
Mais do que apenas atender às demandas dos consumidores, é da essência do capitalismo garantir que sempre haja outras a satisfazer. Assim, naquilo que o norte-americano Jonathan Crary chamou de capitalismo tardio ou turbocapitalismo, cada indivíduo é instado a consumir em modo full time. Toda sorte de produtos, serviços e funcionalidades é oferecida às pessoas, sobretudo por meio de seus dispositivos eletrônicos, tais como computadores, tablets e celulares. Surge o consumidor 24/7 – 24 horas por dia, sete dias por semana.
O mercado usa das tecnologias para atender aos diversos nichos já existentes, bem como fomentar a criação de novos públicos e o trânsito de indivíduos entre um segmento e outro. Os principais insumos para isso são os dados coletados em profusão a partir do uso dos dispositivos online. Cada relação estabelecida por um usuário conectado produz informação, a mercadoria mais sofisticada e valiosa dos dias de hoje, e as empresas utilizam-se desses dados para traçar perfis de preferências, detectar tendências de consumo e identificar oportunidades de mercado.
O consumidor/usuário abre mão, em maior ou menor medida, de sua privacidade, em troca da oferta de praticidade e satisfação. Para inserir-se plenamente em um mundo globalizado e (turbo)capitalista, ele adere à lógica que, sendo difícil de subverter, ao menos oferece suas benesses. De onde surge um grande desafio do mundo contemporâneo: seguir desenvolvendo as tecnologias, sem que isso represente o aniquilamento das individualidades – ou sua completa transformação em mera mercadoria, nada além disso.