Como o desenvolvimento da Inteligência Artificial pode levar ao maior avanço da indústria bélica e/ou ao fim da humanidade.
Desde que o mundo é mundo, há guerra – ou ao menos a partir de quando evoluímos do macaco. Stanley Kubrick, em seu célebre “2001: uma odisseia no espaço”, chama de “A aurora do homem” a sequência na qual um de nossos ancestrais símios descobre que pode usar um osso para matar uma presa. Na alegoria, ao aprendermos a subjugar outros animais, nos tornamos humanos. Mas não demora até que o primata perceba que, com a arma recém descoberta, pode também vencer um opositor da mesma espécie.
Grandes avanços tecnológicos ou foram aplicados em batalhas ao longo de milênios ou foram desenvolvidos exatamente com a finalidade de conferir a um povo certo tipo de supremacia. “Uma guerra sempre avança a tecnologia, mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria”, cantava a Legião Urbana em “A Canção do Senhor da Guerra”. A constatação do compositor Renato Russo evidencia que, a pretexto de defender-se ou atacar um inimigo, a tecnologia avança.
A descoberta da pólvora e o desenvolvimento das armas nucleares representaram as duas grandes revoluções bélicas da história. Hoje, assistimos ao advento de uma terceira: a aplicação da inteligência artificial no campo militar.
Aos governos capazes de controlar as novas tecnologias, as potencialidades são extraordinárias, e, claro, estratégicas. Estamos falando em um poder com capacidade para equilibrar (ou desequilibrar) o jogo das grandes potências. Muito além das discussões prosaicas sobre aplicações da Inteligência Artificial no dia a dia, discutem-se planos de hegemonia mundial. Estados Unidos, Rússia, China e União Europeia organizam-se, ou melhor, armam-se.
Vladimir Putin disse claramente que “aquele que se tornar líder nesta tecnologia, será também líder do mundo”, e colocou como objetivo para a Rússia ter suas Forças Armadas com 30% de equipamentos autômatos até 2022. A Conselho de Estado Chinês determinou investimentos pesados em pesquisa e desenvolvimento de Inteligência Artificial aplicada à defesa. Nos Estados Unidos, a aliança entre governo e militares injeta bilhões em pesquisa e, mais recentemente, adotou posturas mais agressivas.
“Existe alguém que está contando com você / pra lutar em seu lugar já que nessa guerra / não é ele quem vai morrer”
Estando a corrida desenvolvimentista nessa área já em curso, estudiosos de Inteligência Artificial e Robótica vêm alertando sobre os perigos iminentes do uso de armas autônomas. Aos defensores, cabe o argumento de que substituir humanos por máquinas reduziria as baixas. Os que criticam, questionam: haverá redução de baixas para qual dos lados em guerra? Ademais, como esses armamentos não dependem de materiais caros ou de difícil obtenção para serem feitos, rapidamente estarão sendo produzidos pela indústria bélica em larga escala e a preços acessíveis.
Um dos mais respeitados coletivos de cientistas, executivos e filantropos que buscam fomentar o desenvolvimento das tecnologias de forma benéfica para a humanidade é o “Future of Life Institute”. Em um de seus manifestos – “Armas autônomas: uma carta aberta de pesquisadores de Inteligência Artificial” e Robótica”, em tradução livre – a organização postulou todas essas preocupações e conclamou aos membros da comunidade científica a se posicionarem contrários à sua participação em pesquisas do gênero. Para os signatários do documento, nesse âmbito há inúmeras outras formas de a Inteligência Artificial ser usada para o bem, sobretudo na proteção de civis.
No filme de Kubrick, macaco faz do osso um prolongamento do próprio braço, aumentando seu poder de ferir e matar. Ao fim desse preâmbulo, finalmente derrota seu adversário e, em júbilo, arremessa sua arma para o ar. Com um corte, a cena deixa de mostrar o objeto, agora substituído por uma nave interestelar, simbolizando o salto que fizemos, enquanto seres que dominam e desenvolvem tecnologias ao próprio favor. Estamos à beira de outra desses pontos de inflexão. Resta saber se isso nos abrirá novos horizontes ou representará nosso fim.