Relatório das Nações Unidas alerta para o domínio dos gigantes no cenário mundial de processamento de dados.
Que os dados são matéria prima valiosa no mundo contemporâneo não é novidade (ao menos para quem está antenado com as tendências de tecnologia da informação). Tampouco é surpreendente que as principais potências do mundo liderem os rankings de inovação e investimentos nessa área.
Um relatório publicado em setembro pela Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) alerta para o fato de esse contexto recriar condições semelhantes às experimentadas no período em que os países se dividiam entre metrópoles e colônias. Estados Unidos e China – que juntos detêm mais de 90% do valor de capitalização das 70 maiores empresas online do planeta – despontam como dominadores, enquanto países com baixa capacidade de processamento de dados, como o Brasil, acabam ocupando o posto de meras “colônias digitais”.
As informações dos usuários de internet são coletadas gratuitamente pelos vários serviços dos quais fazem uso. De forma isolada esses dados não têm qualquer valor. Reunidos, constituem um enorme acervo que, se bem processado e analisado, pode valer ouro.
Acontece que a maioria dos países não consegue fazer frente ao domínio sino-americano e acaba contratando serviços norte-americanos ou chineses para processar seus dados. Em ciclo análogo ao da exploração colonial, os dados brutos extraídos ao redor do mundo são beneficiados e revendidos, bem mais caros, ao mesmo público que os gerou.
Ao pagar pelo acesso às plataformas estrangeiras e pela inteligência por elas desenvolvida, os estados deixam de fomentar o desenvolvimento interno nesse ramo e as empresas nacionais não conseguem prosperar. A dependência e a assimetria, então, tornam-se quase irremediáveis.
“As plataformas também se tornam monopolísticas financeiramente. Quando elas vão em busca de investidores, eles só querem investir nelas. Eles não querem apostar em uma pequena empresa desconhecida do Brasil, porque lucrarão muito mais investindo no Google, por exemplo”, afirma o diretor do núcleo de competitividade global da instituição de ensino IMD de Lausanne, Arturo Bris. E há um agravante: os próprios usuários, embora em parte saibam que têm seus dados usados dessa forma, continuam utilizando as ferramentas, pelos benefícios que oferecem e para manter suas conexões.
A esperança, segundo o professor Bris, está no fato de as pessoas estarem tomando consciência do cenário. “As plataformas estão sob ataque, sim, não apenas econômica, mas socialmente. As pessoas estão começando a questionar, se dando conta de que estão explorando o bem mais valioso: a nossa informação”. Pilar Fajarnes, uma das autoras do relatório da UNCTAD, completa ao destaca o papel imprescindível dos governos: “Os países devem fomentar empresas locais que façam o ‘refino’ dos dados, e adotar políticas que defendam a propriedade e controle dos indivíduos sobre suas informações”.